(Jornalista Célio Nunes)
Foto: Wellington Barreto.
Por: Allan de
Oliveira.
contatoallandeoliveira@gmail.com
O
jornalista, contista, sindicalista, e ativista político, Célio Nunes da Silva
nasceu no dia 11 de outubro de 1938 em Aracaju / SE, sendo filho do operário
gráfico, funcionário da Secretaria do Estado da Fazenda, e líder sindical José
Nunes e da Professora Júlia Canna Brasil e Silva. Estudou no Grupo General
Valadão (antes Escola de 1º Grau General Valadão e, atualmente, Colégio São José)
e no Colégio Atheneu Sergipense. Começou a carreira de jornalista no final da
década de 1950 no jornal Folha Popular do PCB.
Após ter adotado ideias comunistas das quais o pai também fora adepto,
tornou-se militante estudantil da UJC, e depois, dirigente do PCB.
Posteriormente, fora morar no Estado da Bahia, trabalhando em jornais como
repórter, redator e correspondente dos jornais Tribuna da Bahia, Jornal
da Bahia e A Tarde, além de também ter exercido funções públicas.
Participou do Movimento Cultural da Bahia e do movimento de Teatro Amador.
Morou em Itabuna com o irmão, o poeta Hélio Nunes e depois em
Ilhéus, onde trabalhou no Diário da Tarde, Correio
de Ilhéus, e diretor da Secretaria da Câmara de Itabuna e do
Departamento
Cultural da Prefeitura. Ao ter morado em Salvador fundou a Sociedade
Itabunense de Cultura (SIC), montando várias peças teatrais. Com o
Golpe de 1964, foi perseguido, juntamente com o pai e o irmão Hélio Nunes,
sofrendo agressão psicológica.
No
ano de 1972, fez o Curso de Jornalismo na UFBA, abandonando o curso para
voltar para o Estado de Sergipe, trabalhando no serviço público e em jornais,
sendo reconhecido como jornalista pela lei da regulamentação de 1971. Logo mais
em Aracaju, trabalhou como assessor de imprensa do extinto Condese e na
Secretaria de Planejamento, local que se aposentou, e também redator da Gazeta
de Sergipe, redator e editor no Jornal da Cidade, redator, editor e
diretor geral no Jornal da Manhã, criando o suplemento cultural Arte &
Palavras que ajudou como literato, além de divulgar escritores de Sergipe,
dirigido aos meios acadêmicos e intelectuais do Brasil e do exterior. Fundou em
1977 o Sindicato dos Jornalistas de Sergipe com alguns amigos, sendo
presidente durante dois mandatos e membro de várias associações.
Em
suas estórias são mostradas desilusões, angústias, adultério, havendo toques de
ironia e lirismo com personagens simples do povo como operários, pescadores,
prostitutas, e temas voltados para a promiscuidade, o adultério, o alcoolismo,
onde o palco se dá em cidades como o Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, e Alagoas.
O próprio autor revela: “[...] existe
toda a vida de um ser humano em meio ao mundo caótico em que vivemos”.
(NUNES, Célio, 2005). Publicou contos em jornais, revistas, antologias e
artigos literários. As primeiras publicações ocorreram na Bahia e em 1972, a
consagrada poetisa Núbia Marques o incluiu na antologia Contos e
Contistas. No ano de 1980 publicou o livro Trajetória para a Ilha dos
Encantados, tendo participado também da antologia Prosa Sergipana organizada de
1992 por José Olyntho e Márcia Maria, lançando em 2000 o livro Réquiem para
José Eleutério e em 2005, O Diário de W.J.
“Célio Nunes
pertence à uma privilegiada irmandade: esta constituída de
escrevedores-pensadores, que quando deitam a lançar frases sobre o papel o
fazem com tal elegância, firmeza e zelo, que é de pensar o branco da folha
manifestando-se infinitamente grato por tornar-se o suporte de tão
extraordinário talento desmembrado em linhas. Contador de histórias, inventor
de argumentos aparentemente simples (eis o pântano traiçoeiro de literatura
celiana tão rica), Célio tomou Aracaju, qual província-universo, como arena em
que personagens de um banal surrealismo transformam, sob a égide do escritor,
seus dias de mesmices e vazios profusos em tormentosas ocorrências, que tanto
mais trágicas são quando percebidas diante dos silêncios impostos pelo mundo
corroído duma solidão constante”. (Orelha do livro Réquiem para José Eleutério APUD
Léo A. Mittaraquis).
Em 2004, Célio Nunes recebeu pela Prefeitura Municipal de Aracaju a medalha da Ordem do Mérito Cultural Ignácio Barbosa. Faleceu em 13 de agosto de 2009 em sua residência, vítima de infarto agudo.
É importante
lembrar também que Célio Nunes foi irmão de Hélio Nunes, um escritor sergipano
que foi perseguido durante a Ditadura Militar no Brasil e que você poderá
conhecer neste link:
Livros Publicados:
De sua autoria:
Contos
(BA, 1963)
Trajetória
para a Ilha dos Encantados (SE, 1980)
Réquiem
para José Eleutério (SE, 2000)
O
Diário de J.W. e outras histórias (SE, 2005)
Participação em antologias:
Conto
2 – Sociedade Itabunense de Cultura (BA, 1971)
O
Moderno Conto da Região do Cacau (RJ, 1978)
Contos
e Contistas Sergipanos (SE, 1979)
Prosa
Sergipana (DF, 1992)
Colaborações:
* Colaboração em
jornais e revistas dos Estados de Sergipe e Bahia com contos, crônicas,
resenhas, críticas literárias, poemas, inclusive editando suplementos
culturais, além de exercer a profissão de jornalista, desde fins da década de
50.
Inéditos:
Crônicas
de Ontem e de Hoje
Contos
(sem título definitivo)
Poemas
(sem título definitivo)
RETORNO A ARACAJU
E
então, Aparício? Satisfeito agora? Mesmo homem feito, não deveria ter ouvido os
conselhos, ponderação e tudo o mais, Pai e Mãe, de outros parentes mais
chegados e até de amigos? O rapaz sem camisa, apenas de bermuda e de sandálias,
pensava e pensava, ao volante da caminhoneta parada, em cima da balsa que se
afastava vagarosamente do atracadouro da Barra dos Coqueiros, ilha feito
município, em direção à capital, Aracaju, no seu destino rotina diária, de hora
em hora, de levar veículos para cá e para lá, e de lá para cá. As águas aqui
nas beiradas do rio, já em frente à cidade da Barra, eram sujas, pretas,
fedorentas, dizem que, poluídas – dos esgotos, fezes, lixos e de tudo o que
jogavam ali que não tinham serventia. Tanto que os peixes estavam se acabando,
assim como os siris. A aventura durara apenas dois meses e poucos dias – para
ser mais preciso – dois meses e nove dias, ou para ser mais preciso ainda –
setenta dias nos contados, bem contados, isso porque um mês tivera trinta dias,
o outro trinta e um e mais nove dias – setenta dias. Daqui a dez minutos ou
pouco mais, estaria novamente com aquela camioneta cheia de alguns móveis e
breguessos de uso pessoal rodando pelas ruas de Aracaju, em direção ao Conjunto
Augusto Franco, lá perto da Atalaia Velha, bem vizinho ao aeroporto da cidade,
descarregando tudo na casa dos seus pais, guardando seus pertences em um
alpendre-barraco no fundo do quintal, descarregando também seu copo e sua alma
cansados de tantas preocupações e desacertos. Maria das Flores, esse o nome
bonito da mulata bonita com quem viera morar ali na Barra na casa da dita
propriedade dela, uma casa de altura pequena mas grande e que era velha mas bem
conservada, dessas casas antigas, construídas há tanto tempo com mais espaço do
que as mais atuais, herdada por Maria dos seus parentes já falecidos e que já
abrigara, lhe disseram, outros dois maridos e recebera, lhe disseram depois,
alguns ou muitos amantes ou visitas esporádicas de homens pois Maria, também
acrescentaram, “era fogo...”. Um rabo de saia assanhado que não aguentava uma
cantada bem dada de um homem que ela passava a desejar e que dali para cama era
um passo. Sem falar nos que ela mesma conquistava, se oferecia, toda faceira,
nas festinhas da pequena cidade da Barra dos Coqueiros.
Aparício
conhecera Maria na feira de Aracaju, na grande, central. Ela estava conversando
com uma vendedora de caranguejos, ele fora comprar uma corda dos bichinhos em
um dia de sábado para fazer uma patuscada com os amigos e parentes na casa dos
pais lá no Augusto Franco e dera naquilo: os olhos, os dengues e as ancas de
Maria se viraram para ele e conquistaram todo o seu corpo, seu coração, sua
cabeça e todo ele se entregara a uma longa conversa com Maria, que lhe
convidara para, no domingo, comparecer lá na Barra ao encontro marcado em uma
festinha de forró em casa assim-assim, de uma amiga festeira. Fora e se dera de
bem, pensava no início, dormira com Maria, na casa de sua propriedade onde ela
morava quase sozinha somente tendo como companhia um sobrinho pequeno, herança
também dos parentes de quem herdara a casa. Sobrinho, moleque safado, um
pretinho, que já convivia e muito bem com a safadeza de Maria e sorria
matreiramente quando ele resolvera morar com a danada e chegara com alguns
móveis novos e até uma cama nova com um colchão novo. Conselhos não faltaram,
mas ele não tomara tento de nada, somente queria a sua Maria das Flores, que
nome bonito para essa boniteza de mulata e fora morar ali na Barra, vindo e
indo todos os dias para trabalhar no seu emprego fixo em Aracaju. Maria se
virava pra viver e sobreviver vendendo frutas, cocos e verduras, adquiridas ou
revendidas ou então plantadas no quintal da casa, sem falar nos doces que
fazia, mas tem gente que hoje diz que o que ela arrecadava com essas vendas não
dava para viver como ela vivia despreocupada e feliz, pois ganhava peixe, carne
e tudo o mais, até dinheiro mesmo, ao vivo, de muitos homens com quem ela
mantinha amizade. “Uma verdadeira prostituta disfarçada, filha da puta”, pensou
Aparício, mas somente agora se dera conta de toda besteira que tinha feito,
agora ali quieto, com a cabeça zanzando das cachaças que tinha bebido, dentro
da boleia da camioneta que tomara emprestado de um amigo e atormentado com as
conversas sem nexo de outro amigo, pobretão sem função que trouxera para lhe
ajudar. Esse, Noberto, também sem camisa, mas de calça jeans velha e rasgada,
pés descalços, transformara essa mudança em uma farra e uma brincadeira, tomara
cachaça, comera tira-gosto e ficava em frente ao carro como que orientado a
direção que o motorista deveria dar à camioneta nas manobras para subir na
balsa, na Barra dos Coqueiros e na descida em Aracaju, na rua da Frente, com
aquele tráfego todo de veículos pela rua, no atracadouro improvisado perto da
Ponte do Imperador. Aparício nem trouxera tudo que comprara para levar para
casa de Maria, somente trouxera os móveis estofados de sala – um sofá e duas
poltronas – (o pai advertiu: pelo menos traga a sala nova, que ainda não pagou
e eu avalizei). E avalizara mesmo naquela loja da rua João Pessoa, mas quase à
força. “Isso não vai dar certo, menino, você nem conhece direito essa mulher,
que pelo que pude observar, parece não ser coisa direita”. Fora o olho de lince
do pai, de cabra velho acostumado com mulheres, que observa logo-logo o fogo
que vinha de Maria e os modos e trejeitos de mulher que tem intenção perpétua
de apanhar, seduzir e atanazar o juízo dos homens. Depois de um mês, desconfiara
das idas e vindas de Maria e de encontros disfarçados e com dois meses tudo se
aclarara na sua mente: “era corno. De chifre e tudo e sabia, agora, que toda
vizinhança sorria dele” e o molequinho, mais do que ninguém, a chamar-lhe de “o
marido de minha tia Maria...” acrescentando: “o meu tio, o meu titio...”. Ora,
ora, tio uma merda, logo ele fora cair naquela, ele que gostava das piadas
sobre corno nas bebedeiras tranquilas com os rapazes do conjunto. “Lá vai
ele... e tra-lá-lá...”, como dizia a música e que era o mote para o desfiar de
casos de cornidão, de chifres e quejandos. Mas a aventura tinha lhe
proporcionado, no início, tanta felicidade, ao lado de Maria, quando chegava de
Aracaju e tomava banho e se afogava depois nas suas carnes macias de morena
praiana, desse arraial cidade chamada de Barra dos Coqueiros. As idas aos
domingos para as praias da Atalaia Nova, de bicicleta ou a cavalo, com animais
emprestados dos amigos de Maria, quem sabe dos amantes de Maria? Pensava agora
Aparício com os olhos cheios d’água, vermelhos por causa da cachaça que tomara
Aparício, forçava para parecer tudo natural, mas sabia que até o pessoal que
trabalhava na balsa sabia do seu caso, quem sabe? E de vez em quando forçava um
sorriso. Deixara a cama nova (a cama antiga de Maria estava muito velha e
comprara uma nova) porque se trouxesse (ela dissera: pode levar todos esses
trastes que você comprou, não quero ficar lhe devendo nada e não estou lhe
pedindo nada, sou livre, e estou na minha casa), mas deixara a cama, a cama era
a prova e o símbolo maior das traições de Maria, porque soubera que até em
casa, quando ia trabalhar em Aracaju, ela recebia alguns amigos mais chegados
ali mesmo. Aparício vagando nos pensamentos, de repente notou que a balsa
diminuía a potência-barulho do motor e fazia já, as manobras para encostar no
atracadouro de Aracaju, às margens desse rio Sergipe ele teria que manobrar a
camioneta e de cabeça baixa chegar em casa e descarregar tudo e prosseguir
vivendo. “Com chifres e tudo mais”. Principalmente com esse coração doído,
doído ainda por Maria, saudoso das suas carnes, o seu corpo ardendo de uma
febre diferente. Isso era amor, ele sabia, pois nunca sofrera assim.
A
balsa Atlântica parou. A rampa da balsa encrafuchou nas areias das margens, o
rio estava cheio, quase que pegava no asfalto por onde passavam carros.
Aparício se aprumou no volante, o seu amigo bêbado dançava na frente da
camioneta, mais atrapalhando do que orientando. “Adeus, Maria das Flores”. Ia
dizer um “valeu”, mas se lembrou que era macho e que não ficava bem nem em
pensamento dizer que gostava daquele tempo, com aqueles chifres todos lhe
acompanhando como num pesadelo.
In: Réquiem para
José Eleutério.
MARINEIDE VAI PARA
CASA
Terminado
o serviço naquela casa onde trabalhava, em Aracaju, das sete às 18 horas, na
função de empregada doméstica (agora, graças a Deus, conseguira que os patrões,
depois de cinco anos, assinassem sua Carteira) Marineide dirige-se para casa.
Espremida dentro do ônibus, depois de pagar a passagem com um vale-transporte,
ainda iria descer no terminal do bairro Santos Dumont, para pegar outro ônibus
e descer para chegar em casa. O que lhe consolava no seu serviço desgastante e
rotineiro, de limpar a casa, fazer almoço, lavar os pratos, lavar roupas, engomar,
fazer compras, etc... era a imaginação. Pensava em estreitar seu namoro com
Genelício, esquecendo seu antigo marido, que o deixara com uma criança que
estava sendo criada por sua avó, os possíveis shows do Moranguinho do Nordeste,
de Daniel e de Leonardo (que lindos!) que as tevês e rádios prometiam e, agora,
na sua ânsia de chegar em casa, na casinha dos pais, assistir a novela com
Antônio Fagundes. Certa que chegaria atrasada na escola noturna, mas valia a
pena. A história se enroscava com o casal e com uma filha que era filha dele e
ele não sabia. Sempre tem isso nas novelas e ela já ficava esperando para
descobrir tudo antes da revelação. Entrou na rua e em frente da sua casa uma
aglomeração de pessoas e até um carro. Na meia-escuridão, distinguiu o carro:
da polícia. Da delegacia do conjunto. Meu Deus? O que seria? Tomara que fosse
mais uma briga e pronto. Ainda pensou na novela com Antônio Fagundes, mas
quando as pessoas lhe avistaram, abriram a roda: seu pai estava estendido no
chão, esfaqueado, em frente a dois policiais que faziam perguntas. “Eram dois
cachaceiros, isso era...” – disse outra voz. O assassino tinha fugido. Depois
de uma bebedeira, junto com se pai, brigara e matara o companheiro. Marineide
abaixou-se, ainda ouviu um policial dizer: “conheço ela...” dirigindo-se ao
encontro do outro. Fechou os olhos do pai, incrível, ainda estavam abertos.
(ano 2002).
In: O Diário de
J.W. e outras histórias.
REFERÊNCIAS:
Amigos lamentam morte de Célio Nunes. Por Glauco Vinícius. In: <http://www.infonet.com.br/cidade/ler.asp?id=88741&titulo=cidade>. Acesso em: 19 de dez. de 2014.
NUNES, Célio. Réquiem para José Eleutério. Aracaju. Fundação Cultural da Cidade de Aracaju, 2000.
NUNES, Célio. O Diário de J.W. e outras histórias. Recife. Secretaria da Cultura de Sergipe, 2005.
Medalha da Ordem do Mérito Cultural Ignácio Barbosa será concedida ao jornalista Célio Nunes. In: <http://www.institutomarcelodeda.com.br/medalha-da-ordem-do-merito-cultural-ignacio-barbosa-sera-concedida-ao-jornalista-celio-nunes/>. Acesso em: 07 de jan. de 2014.