Por: Allan de
Oliveira.
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Pouco se sabe sobre a vida desse autor. Porém, o que há de
notícias referentes a ele é que nasceu na Vila de Santa Luzia em 31 de janeiro
de 1832 e faleceu de tuberculose em Salvador em 02 de outubro de 1855 com
apenas 23 anos de vida. Apaixonou-se por uma prima que prometera sua mão em
casamento, mas depois ela resolvera ingressar num convento; fato que fez
Joaquim Esteves se constranger muito.
Joaquim Esteves estudou medicina na Bahia e se doutorou em 1853.
Trabalhou como redator de um jornal em tempos de faculdade, escreveu teses de
doutorado e de medicina, e cultivou do Ultrarromantismo com apenas um único
poema de que se tem notícia, “A Noviça”, escrito no número 02 do jornal da
faculdade “O Acadêmico” no ano de 1853 que fora publicado, posteriormente, por
historiadores da literatura sergipana como Filinto Elísio do Nascimento, Sílvio
Romero, e outros.
A NOVIÇA
A dor que
lhe há desbotado a cor do rosto,
E o sorriso
que lhe roça os lábios
Murcha ledo
sorrir nos lábios de outrem.
(G.
Dias – Seg. Cant.)
Ei-la
prostrada, tão sozinha e triste,
No silêncio
do tempo – humilde orando!
Ei-la a
rir-se co’os anjos, arroubada,
Um riso só
dos lábios; que no peito
Acoita
imensa dor, que a mata aos poucos!
Ei-la em
pranto “perdão!” clamando virgem,
De um só
crime pungisse atroz remorso!
O grosseiro
burel seu corpo envolve,
E as tranças
tão gentis – vede-as – caíram
Nas lápidas
do templo – oh dor! – cortadas!
Quem hoje a
conhecera? – Os brandos olhos,
Não
lânguidos de amor, porém já mortos,
Semelham lá
do céu dous astros belos,
Que negra
cerração esconde e apaga!
Os lábios,
que tão mágicos, tão róseoas,
Seus mais
ternos afetos me contavam,
Os rubros
lábios, desbotados hoje,
Já mal sabem
sorrir – são flores murchas!
A tez do
rosto, que o pudor e o medo
A uma frase
de amor tingiam logo
De róseo
colorido,
Qual flor
mimosa a perecer co’a tarde,
Vai pálida
ficando!
Em mudez
quase sempre mergulhada,
É-lhe defeso
dirigir palavras
Às tristes
como elas, que lá gemem
Gemidos do
imo peito, amargas queixas
Que dentro
de uma cela nascem – morrem!
Só às vezes
em coro – aos céus do templo
Sua voz
divinal maviosa sobe...
Entre todas
se eleva – triste nota
De um anjo a
padecer, preso na terra!
Oh! Que
somente eu sei quanto ela sofre!...
Jovem
donzela, em terno amor ardendo,
Esquecida
julgou-se; e vingativa,
Cedendo ao
voto insano que fizera,
Hóstia
inocente se oferece às aras!
Nova Heloísa
– a misturar suspiros
O claustro
vai roubar-m’a a mim e ao mundo.
Era tão
casta, tão bela
Qual fora a
Vestal singela,
Como aquela
linda estrela,
Que veio os
magos guiar!
Tão pura,
tão inocente.
Como o riso
que não mente,
Como um ai
que brandamente
Andasse
doudo a voar!
Amou-me; -
mas sempre esquiva,
Foi mimosa
sensitiva,
Que se furta
fugitiva
Da menina à
nívea mão:
Nunca em
paga a um meu desejo
Deu-me ao
menos um só beijo;
Nunca de
animá-la o ensejo
Deu-me a tão
viva paixão...
Pois amei-a
também
Como nunca
amou ninguém,
Com tanto
amor como o tem
Ao filho mãe
carinhosa!
Eu amei-a
com fervor,
Com santo e
místico ardor.
E vivemos
mui ditosos
Curtos dias
bem formosos,
Do futuro
descuidosos,
- Que amor
não mede o futuro!
Foi-me uma
quadra doirada,
Foi serena
madrugada,
Foi
primavera encantada,
Foi nos céus
um viver puro!
Mas tudo
mudou-se – trocou-se, meu Deus!
A nossa
ventura num mar de agonias;
Eu vivo no
mundo, sozinho, saudoso,
No Claustro
ela vive – consome seus dias!
Mas tudo
mudou-se – trocou-se, meu Deus!
A nossa
ventura num mar de agonias;
Eu vivo no
mundo, sozinho, saudoso,
No Claustro
ela esquece protestos que fez...
Nem lá minha
voz pode ir despertá-la.
No Claustro
ela encerra nos mudos sepulcros
Esp’ranças
que teve – e pudera nutrir!
Seus puros
afetos, ardentes, tão santos,
No Claustro
não podem, não podem florir!
Tão bela que
era, tão cheia de encanto,
Tão triste
no pranto, no riso tão leda,
Quanto hoje
é mudada! Um dedo de ferro
Mostrou-lhe
– coitada – da dor a vereda!
- Virgem!
Que negro fado fulminou-te,
Inda róseo
botão mimoso e lindo:
Na flor da
vida, a des’brochar tão puro!
Mal tentaste
mover tímidos passos
No teatro do
mundo,
Caiste logo:
- criancinha débil,
Que no teto
fitando os olhos vivos,
Enquanto
folga vendo os arabescos,
Incauta
vai... tropeça, e cai... e chora!
- Assim
sonhaste ver vasto sudário,
Que amigo
ignoto gênio desdobrava
Como céu
sobre ti! – Aí traçado
Em místico
idioma – “amor” – tu leste!
Aí –
“ventura” – em aúreos caracteres
Desenhara
hábil mão de um mago sonho!
E – ventura
– dizendo, após correste;
E soletrando
– amor –, ferveu-lhe o sangue!...
Mas – cega!
Não olhaste o abismo horrendo
Que se abria
a teus pés! Nem reparaste
Numa mão,
semelhante a que lavrara
No festim do
Monarca atroz sentença,
Do sudário
apagando as aúreas letras,
Impiedosa a
escrever – Serás do Claustro!
Ah! Cumpriu-se
o presságio! – Lá tu vives,
Lá te
esqueceres de amor, de mim, do mundo;
- De mim que
sempre estreme, sempre firme,
Nos
prazeres, nas penas te acompanho,
Como ao
astro do dia a flor que nasce,
E como ele
fenece ao vir das trevas!
Teus sonhos
doirados, que altiva sonharas,
As tuas
venturas, o teu puro amar,
Onde é que
hoje existem? Fugiram ligeiros,
Qual foge da
praia uma vaga do mar!
Teus níveos
vestidos, teus riscos adornos
Por outros
tão tristes pudeste trocar?
Capricho!...
Os prazeres esquivos te fogem,
Qual foge da
praia uma vaga do mar!
Ah! Não
penses, donzela, achar venturas
Nessa vida
que levas!
Quando à
noite, na cela recolhida,
- Em
sepulcral silêncio envolto o Claustro -
Tentares
elevar a Deus tu’alma,
Uma estranha
visão - visão de amores -
Surgirá de repente e encantadora
Como sonho
de virgem!
Ver-me-ás a
teus pés, com os olhos lânguidos
Em teus
olhos azuis sorvendo gozos,
Repetir-te
bem meigo – Amélia! Eu te amo!
E tu,
querida ingrata, arrebatada
De um amor
ideal, nos meus extremos,
Beberás um
prazer divino, imenso!
Mas do
templo a mudez solene e triste
Parece
condenar-t’o! Na clausura
Se a Deus
não se dirige, amor é crime!
Sentirás o
remorso, e arrependida
Ao leito
arrojarás teu débil corpo;
Mas eu te
seguirei: ou venha o sono
Adormecer
teus males, tuas dores;
Ou desperta
no leito te revolvas,
Minha imagem
verás sempre incessante,
Sempre
humilde - curvada às tuas plantas -
Dos teus
vestidos a beijar-te a barra!
E nem o dia,
que sereno surge,
Poderá
dissipar-te esse fantasma...
- Inda serei
contigo: - ao pé das aras,
Sobre as
gélidas lousas dos sepulcros,
Nas horas da
oração - ou dia ou noite -
Um momento
sequer - não serás livre!
- Nem fora
d’outra sorte: - amaste muito;
Fui teu
primeiro amo, li-t’o nos olhos,
Conheci-t’o
nos risos, e teus lábios,
- Teus
lábios que não mentem - m’o disseram.
Ah! Recorda, donzela, esses momentos,
Esses tempos
de outrora, e volta ao mundo!
Por que já
não me crês? Que mal te hei feito,
Que já me
não escutas? Que mau gênio,
Que demônio
soprou-te assim no ouvido
Perjúrios
que não fiz? E crer pudeste
Um só
instante - um só - que eu te mentisse!
Tu, tão
pura, tão meiga, tão formosa,
Que em meus
sonhos ardentes de mancebo
Parecias do
Éden a hui mais linda
Por Alá
enviada a converter-me?!
Que anjo
tredo rompeu as doces pazes
De nossas
almas jovens, que, simpáticas
No mundo se
encontrando,
Cegas - por
lei do fado - se aspiravam?
E crer
pudeste, Amélia, que eu mentisse,
Eu mancebo,
orgulhoso, e namorado,
Cujo sonho é
somente amor e glória!
Amor?! -
tomei-lhe a taça; mas meus lábios
Nem sequer
lhe tocaram! - Tu, tirania,
Tu que m’a
tinhas dado, infantes ambos,
Tiraste-m’a
das mãos? – Amor e glória
Onde
achá-los sem ti? Como alcançá-los,
Se tu, fanal
brilhante que resplendes
No meu céu
de ilusões - único e vivo -,
Assim cruel
me foges?
Oh! Não
desejas ver-me - ativo bardo
Erguido
sobre um novo Capitólio,
Deixar que
me laureie a fronte augusta
Não digo
Roma só - mas todo o mundo?
Não queres
de lá, co’um só aceno,
Emudecendo
as turbas,
Com soberana
voz exclame: Amélia!
E - Amélia -
repetindo vão submissos
- Ecos do
bardo - as multidões pasmadas?
Ai! Se o
desejas, não vaciles, volta!
Sem ti, amor
e glória são fantasmas,
Que mal em
sonho vejo; só contigo
Posso ter
alma e lira, amor e glória.
Não! Não crê
no perjúrio: alma de vate
Nunca mancha
a traição.
Sempre teu -
Sempre - fui: não me desdenhes
Este férvido
amor. De novo assina
O tratado de
paz, e deixa o Claustro!
Inda é
tempo, noviça, sê ditosa!
Vem gozar
nos meus braços dos teus sonhos
A casta
realidade: vem, formosa,
O que é vida
aprender num beijo ardente,
Num amplexo
de amigo.
Não profiras
o voto! A voz tolhida
Expire-te
nas fauces, quando o tentes!
Primeiro do
que Deus fui teu esposo;
Ele mesmo
conhece os meus direitos;
Ouviu teu
juramento – abençoou-o:
Que rompas
não lhe apraz a fé jurada:
Nem quer
p’ra si a noiva, que espontânea,
Por voto
também santo, era já minha.
Eia!
Espera-te o mundo com sorrisos,
Deixa,
virgem, o Claustro; - olha o futuro...
Não vês um
paraíso? - Ah! Nós somente
Somos
querida Amélia,
Seus únicos
ditosos habitantes:
Vem! Vem
depressa comigo tomar posse
Desse oásis
feliz, que amor nos abre:
Aí - posto a
teus pés - serei poeta,
E tu, donosa
noiva, o casto arcanjo
Da minha
inspiração! - Ah! Vem Amélia,
É vontade do
céu, - e amor nos chama!
REFERÊNCIA:
LIMA, Jackson da Silva. História da Literatura Sergipana. Vol. II. Fase Romântica. Aracaju, Fundesc, 1986.